Quando criança catava conchas na beira da praia. Tudo era encanto e o mundo saído da grande cartola de um mágico.
As folhinhas caiam das árvores e um súbito desespero lhe tomava conta. Era como se alguma delas pudesse se machucar. Corria e pegava todas que podia.
O doce das frutas lhe enchia a boca com um sabor inigualável e inesquecível, mesmo com o passar dos anos. As devorava com vontade.
Os carros que passavam pareciam grandes naves ou navios onde ele embarcava em seu sonho de menino travesso. Mas era nas árvores que fazia os seus quartéis generais.
Os passeios eram aguardados como se esperasse pela coisa mais importante da vida. E de fato, era, a coisa mais importante da vida.
Na escola era comum a todos os outros. Mas gostava de escrever com o lápis só para depois ter a deliciosa sensação de apagar com a borracha.
Vivia em uma época onde as cordas serviam somente para pular e as muralhas de areia e pedrinhas sempre para serem traspostas. E era tão fácil fazê-lo.
Viva em perfeita comunhão com seu corpo rechonchudinho e a nudez não lhe era censurada, era coisa natural. E não teria como não ser.
Para ele as coisas todas estavam em seu devido lugar e nada, absolutamente nada precisava ser mudado.
Os amigos não lhe impunham condições à sua amizade. Apenas eram.
As flores cresciam e para ele davam as cores da vida. Não precisava comprá-las, pois a vida todos os dias lhe oferecia lindos ramalhetes nos campos perto da sua casa.
Achava que os assuntos do mundo eram coisas de gente grande e que nada lhe afetava diretamente. Era protegido.
Ria das coisas e sorria com um sorriso sincero e alto. Não lhe existiam limites tolos.
Sempre gostou muito de água, aproveitava a chuva para criar os seus peixes e tubarões de plástico.
Os dias eram intermináveis e um ano parecia-lhe uma vida inteira.
Desconhecia a falsidade. Pois tudo ainda era novidade e era impossível não acreditar naquele mundo descoberto a cada dia que passava.
Vez ou outra se machucava caindo de uma árvore ou de um cipó ou de um skate. Mas muito logo já estava pronto para outra queda. E não pensava jamais nelas, simplesmente seguia em frente.
Jogava bola e corria muito pelas ruas do lugar onde morava. Sentia-se impulsionado.
Embora muito amado e ainda desconhecia o amor.
Era uma criança e desconhecia o mundo e tudo aquilo que viria pela frente. As coisas de gente grande. Era ainda um não adulto.
Os dias infindáveis passaram, seu corpo se modificou, seus pensamentos também, e aquela leveza de ser apenas um menino ficou apenas nas lembranças de uma mente que não tinha mais tempo para pensar naquelas coisas todas que ficaram para trás.
Hoje as portas do mundo adulto se abriram para ele e um forte cheiro de terra molhada que sentia e adorava quando ainda menino, ficou apenas na sua memória.
Se agora sua visão de mundo era maior e outras coisas estão sendo a todo o momento descobertas, algo agora lhe delimitava, a sensação da imensidão de ser criança.
Hélcio Fernandes
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