domingo, 24 de janeiro de 2010

Cansaço - Chico Ceola

Estou cansado
De nada ter feito embora tudo ter tentado.
De sofrer sem motivo por não ter de que sofrer.

Estou cansado
De ter vivido mentiras de que ninguém duvidou.
De querer verdades que não me permito buscar.

Estou cansado
De não ter sido decisivo, violento, agressor.
De não ter encontrado a hora de falar de ódio e de amor.

Estou cansado
De ter podido e não querido,
De ter querido e não podido,
De ter lutado com armas erradas.

Estou cansado
Do amor sem paixão
Da paixão sem amor.

Estou cansado de querer,
mas ainda quero.
Estou cansado de sentir,
mais ainda sinto.

* Chico Ceola é Professor da PUC (Campinas), Diretor do Sinpro Campinas, Presidente da APROPUCC, e autor do livro “Saudade da Tribo”.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Uma Oração Para Começar 2010 . . .


(Ator Roberto Áudio no espetáculo "O Livro do Jó", Cia Teatro da Vertigem)

O ATOR
(Plínio Marcos)

Por mais que as cruentas e inglórias
Batalhas do cotidiano
Tornem um homem duro ou cínico
O suficiente para fazê-lo indiferente
Ás desgraças e alegrias coletivas,
Sempre haverá no seu coração,
Por minúsculo que seja, um recanto suave
Onde ele guarda ecos dos sons
De algum momento de amor já vivido.
Bendito seja quem souber dirigir-se
A esse homem que se deixou endurecer,
De forma a atingi-lo no pequeno porem macio
Núcleo da sua sensibilidade.
E por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia,
Essa grotesca forma de auto-destruição
A que por desencanto ou medo se sujeita.
E por aí inquietá-lo e comovê-lo
Para as lutas comuns da libertação.

O ator tem esse dom.
Ele tem o talento de atingir as pessoas
Nos pontos onde não existem defesas.
O ator, não o autor ou o diretor, tem esse dom.
Por isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro por causa dele.
O autor e diretor só são bons na medida
Em que dão margem a grandes interpretações.
Mas o ator deve se conscientizar
De que é um cristo da humanidade:
Seu talento é muito mais uma condenação
Do que uma dádiva.
Ele tem que saber que
Para ser ator de verdade,
Vai ter que fazer mil e uma renúncias,
Mil e um sacrifícios.
É preciso coragem,
Muita humildade e, sobretudo,
Um transbordamento de amor fraterno
Para abdicar da própria personalidade
Em favor de seus personagens,
Com a única intenção
De fazer a sociedade entender
Que o ser humano não tem
Instintos e sensibilidades padronizados,
Como pretendem os hipócritas,
Com seus hipócritas códigos de ética.

Amo o ator
Nas suas alucinantes variações de humor,
Nas suas crises de euforia ou depressão.

Amo o ator
No desespero de sua insegurança,
Quando ele, como viajor solitário,
Sem a bússola da fé ou da ideologia,
É obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente
Procurando, no seu mais secreto íntimo,
Afinidades com as distorções de caráter do seu personagem.

Amo o ator
Mais ainda quando,
Depois de tantos martírios,
Surge no palco com segurança,
Oferecendo seu corpo, sua voz, sua alma,
Sua sensibilidade para expor, sem nenhuma reserva,
Toda fragilidade do ser humano reprimido, violentado.

Amo o ator
Por se emprestar por inteiro
Para expor os aleijões da alma humana,
Na tentativa de que o público
Se compreenda, se fortaleça
E caminhe no rumo de um mundo melhor,
A ser construído pela harmonia e pelo amor.

Amo o ator
Consciente de que a recompensa possível
Não é o dinheiro, nem o aplauso,
Mas a recompensa de poder rir todos os risos
E chorar todos os prantos.

Amo o ator
Consciente de que, no palco,
Cada palavra e cada gesto são efêmeros,
Pois nada registra nem documenta sua grandeza.

Amo o ator
E por isso amo o teatro.
Sei que é por ele que o teatro é eterno
E jamais será superado por qualquer arte
Que se valha da técnica mecânica.