Não
sou crítico de cinema, de séries ou algo do tipo.
Apenas
escrevo impactado pela série “Como defender um assassino” – tradução em
português.Minha
formação é em teatro e sempre prestei muito atenção no texto, seja ele teatro,
novelas, filmes e até mesmo de músicas que ouço cotidianamente, e ainda
inspirado pela forma como atores e atrizes utilizam a palavra com intenções,
inflexões e potências. Marília Pera fazia isso com maestria, soletrava a
palavra sempre de fácil entendimento quando saía de sua boca, dava à ela a
função protagonista na cena, tudo muito bem estudado previamente, como podíamos
perceber.
Hoje
no mundo das séries fico alucinado com a forma que os escritores amaram as
cenas, logicamente de forma intencional, e nos prendem meses a fio na condução
daquelas histórias que parecem nos sugar para dentro dos televisores e
aparelhos afins.
Peter
Nowalk, criador da série, nos conduz através da personagem Annalise Keating aos
meandros da justiça em uma escola de direito e um tribunal norte-americano. O
que se põe em questão ali vai além do caráter social e psicológico das
personagens que num primeiro momento poderiam ser classificadas em “inocentes”
ou “culpadas”, mas a série foca principalmente nos meandros da “justiça”,
conchavos e armações para que os egos e a fama dos defensores sejam
contemplados sem o menor pudor e senso se alteridade.
A
narrativa nos leva a pensar, e perceber, o quanto a justiça está diretamente
ligada aos interesses pessoais dos envolvidos nos casos e extrapola, indo cair
nos interesses políticos que formam Estados com essa ou aquela conduta “moral”
(no Brasil, as pessoas que tem boa memória certamente lembram do caso de um
juiz que por interesses políticos, ajudou o país a mergulhar nesse poço sem
fundo e vergonha mundial que se encontra no momento).
Na
série as histórias dos personagens se misturam a da protagonista Annelise e
formam uma teia de intrigas que se estabelecem numa relação de vai e vem entre
o presente e o passado.
O
texto muito bem escrito, desde o título de cada episódio que vira palavra na
boca das personagens, amarra o espectador que por todo o tempo fica em dúvida,
ora culpando e ora absolvendo todos os personagens da trama.
Não
posso deixar de destacar a interpretação magnífica de Viola Davis, atriz que eu
ainda não havia parado para perceber – sim, a palavra originária é perceber que
se desdobra em observar, estudar e aprender. Uma atriz que fala através dos
olhos, em cenas que se destacava a utilização da palavra em tom baixo e pouca
projeção – quem trabalha com interpretação sabe que isso não é fácil. A
capacidade dessa atriz de montar e desmontar personagens dentro da própria
Annalise sem perder a essência primeira da advogada de sucesso e professora de
direito com um passado cheio de marcas, é impressionante! As mudanças que me
refiro não são as de roupas, maquiagem e perucas utilizadas pela atriz, mas sim
do movimento interno para compreender cada momento da personagem, cada fase da
sua vida.
Como
Defender um Assassino é uma série que desvenda nossos olhos para as brechas e
interesses de uma justiça que talvez advogue apenas em causa própria. Não põe
em cheque o maniqueísmo de cada personagem, mas hibridiza essa questão em todos
eles. Certamente é uma série que fala de individualidades, mas também de
fatores que movem a máquina do mundo no sentido de manter as relações
endurecidas, cristalizadas e ocultas por interesses daqueles comandam e sempre
comandaram a humanidade.
Vou
me deter aqui apenas às questões artísticas da série, mas fica explícito que
nela existem muitas outras questões que podem, e devem, ser observadas, cito as
de gênero e étnico-raciais. Certamente existem pessoas mais qualificadas que eu
para escrever sobre esses temas tão caros e importantes para nosso tempo.
Vale
muito assistir cada capítulo de cada temporada.
Super
indico...
* Imagem: https://howtogetawaywithmurder.fandom.com/wiki/Season_1